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Tenho-me interrogado várias vezes sobre o tipo de afectos que se desenvolvem nas salas de chat. Não nego que frequento algumas dessas salas, embora com menos regularidade que há uns tempos atrás, até porque de ano para ano noto muita diferença na maneira como as pessoas utilizam este meio de comunicação. As pessoas tornaram-se desconfiadas e dificilmente consegue-se ter uma conversa interessante sem que hajam segundas intenções por trás. É um mundo onde se mistura muito a realidade com a ficção. Cada um tem os seus objectivos, que nem sempre são detectados logo de início. Muitas pessoas servem-se deste veículo de comunicação para trocarem ideias, fazerem amizades, ou como ponto de encontro com amigos. Também por vezes funciona como se fosse um teatro onde pessoas intrepretam o papel daquilo que gostavam de ser na realidade e não ousam ser, ou até homens fazem-se passar por mulheres e vice versa para conseguirem uma maior abertura da pessoa do outro lado do ecran. Outra vertente, pode ser utilizarem este meio como "saco de pancada", descarregando aqui todas as suas irritações, por vezes insultando sem dó nem piedade. Outros utilizam estas salas de conversação como se fosse aquilo a que chamo A.C.A, associação dos carentes anónimos. Todos temos as nossas carências, sem dúvida, mas na minha opinião esta forma de compensar carências, em lugar de trazer algo positivo pode agravar a situação. É como caminhar sobre um terreno que não se conhece de olhos vendados. Nem sempre do lado de lá está alguém capaz de compreender o que se sente, ou descodificar muitas coisas em meia dúzia de linhas escritas de forma telegráfica. Quando uma pessoa está carente, torna-se vulnerável e pode ser uma presa fácil para certas pessoas sem escrúpulos e manipuladoras. Outros utilizam esta via como uma alternativa às linhas eróticas, e para satisfação imediata. Não querendo ser demasiado dura, também é uma opção mais segura e económica à prostituição. Por vezes também é como assistir a um programa do tipo "Levanta-te e ri". São trocadas piadas e assim se passa um pouco do tempo de lazer (às vezes de trabalho). Já algumas vezes me fez lembrar aqueles anúncios de jornal: "cavalheiro, procura senhora para compromisso sério. Sigílio absoluto". Mas tudo tem as suas consequências. Por vezes desenvolvem-se afectos, e não raramente porque as pessoas vêem no outro uma personagem criada por si. Quando se conhecem pessoalmente isso pode vir a ser uma grande desilusão pelas expectativas criadas. Comparo estas relações a como começar a casa pelo telhado. As palavras têm a força que lhes quisermos dar. Quando lemos um livro, cada um imagina as personagens e o meio envolvente à sua maneira. Até a própria mensagem de um livro pode ser intrepretada de maneira diferente conforme o estado de espiríto da pessoa na altura que o lê. Já li livros mais que uma vez e sempre descubro coisas diferentes. Para mim é importante conhecer alguém pessoalmente. Acredito que além do que uma pessoa possa mostrar ou dizer, existe uma linguagem subtil entre os 2 corpos que muitas vezes não conseguimos dar conta. É por isso que por vezes acontece conhecermos alguém, que até foi simpático mas com o qual não criámos nenhuma empatia. Assim como falamos na tal "química" sentida em determinados encontros. Nestas conversas virtuais, também acaba por existir uma grande falha de comunicação, porque além de se escreverem frases "tipo telegrama", ainda está-se sujeito à intrepretação da pessoa do outro lado do ecran, porque faltam aqui muitos ingredientes: o tom de voz, a expressão corporal, o olhar....

Já algumas pessoas me disseram que levo estas conversas virtuais muito a sério. Já chorei, já ri, já me zanguei, enfim, já senti muita coisa, mas não consigo esquecer, que do outro lado existe um ser humano tal como eu, e isso leva-me a respeitar a situação em si. Já me apercebi, no entanto, que nem todas as pessoas pensam como eu.

Estas salas de chat podem ser uma faca de 2 gumes: podem conduzir-nos à realidade do mundo ou a um mundo de ilusão.